Não, eu não vou ver o Story que você me mandou
Trabalhar como criador nas redes sociais é, infelizmente, lidar com o fato de que ninguém sabe nada de etiqueta digital
(Perdão pelo atraso na newsletter. O dia ontem foi mais atribulado do que o esperado. Agora, de volta à programação normal.)
Como criador de conteúdo voltado para o público gay, uma das perguntas que mais ouço é se recebo muitas nudes ou cantadas indecorosas nas minhas DMs (o que, por si só, já diz muito da percepção que a própria comunidade tem de si.)
Curiosamente, isso acontece bem pouco. Acho que nesses sete anos, foram umas 4 ou 5. Certamente 4 ou 5 a mais do que deveria acontecer, mas bem menos do que imagino que recebam outros influenciadores. Sempre entendi como um crédito ao conteúdo: acho que crio um clima de respeito o bastante pra maioria não se sentir à vontade para quebrá-lo.
Mas, apesar de o senso de intimidade que o público desenvolve comigo não chegar até esse ponto, infelizmente ainda é o suficiente para as pessoas se sentirem à vontade de mandar qualquer outra mensagem.
Nas últimas semanas, o Insta do canal cresceu vertiginosamente (provavelmente, por causa da decisão de só publicar vídeos e não mais fotos - cuja consequência, indireta, foi a criação dessa newsletter, para poder continuar minhas dicas de streaming). E com isso, acontece com mais e mais frequência o fenômeno do Spammer de Stories.
Talvez você tenha algum desses no seu Insta? Não? Sorte sua.
O Spammer de Stories gosta de puxar papo, mas pelo visto não sabe como. Então, todo dia, ele manda algum Story randômico. (Sim, todo santo dia). Vale tudo: notícias ligadas ou não à nossa comunidade; homens tirando a camisa; receitas bizarras; vídeos de animais ou de viagens; bênçãos de Jesus para minha semana; pegadinhas duvidosas; “humor” gay (meu Deus, como eu odeio “humor” gay de rede social - papo pra outra newsletter.)
É sempre só o Story. Sem texto, sem contexto, sem um alerta “Marcel, achei que você pudesse gostar disso” ou “achei que isso pode render algo para o canal” (conteúdos desse tipo são muito bem-vindos, continuem mandando).
É uma caixinha de surpresas. A gente nunca sabe o que vai aparecer. Só clicando pra saber. Nos piores casos (que são muitos), clico e descubro que acabei de dar view para um conteúdo de extrema direita, ou uma mensagem bem problemática para a comunidade gay, e, indiretamente, ajudei esse criador a ganhar dinheiro com isso. Ele vai fazer mais. E vai ter mais gay indignado (ou fascinado) que vai ajudar a distribuí-lo.
(Sempre fico pensando se as pessoas têm o mesmo ímpeto de repassar os meus Stories, ou de qualquer outro criador pró-LGBTQIA+, do mesmo jeito que elas fervorosamente encaminham qualquer pastor imbecil falando merda.)
No começo, eu dava like, para não parecer mal-educado. Mas aí entendi que isso só estimulava esse comportamento. Parei de dar like. Parei inclusive de assistir (quem tem tempo pra isso?)
Mas, geralmente, não é o suficiente para o Spammer de Story se dar conta. Porque, afinal, ele não se importa se você gostou. Ou sequer se você viu. A obsessão dele é mandar conteúdo. Ele se entende um grande curador de tudo que há na internet, um filtro dedicado a me passar o que ele acha de melhor. Não importa se eu não pedi.
Aí só me sobra a opção mais chata que é a de mandar uma mensagenzinha, alertando a realidade do meu ofício. O Instagram é minha principal ferramenta de conversa com seguidores. Eu recebo dezenas de DMs todos os dias. Toda vez que abro uma e é só um spam, atrapalha meu trabalho. Além de tudo, fica mais difícil de buscar, posteriormente, as mensagens que são relevantes.
O que eu queria dizer mesmo fica só implícito: eu não pedi. Eu não te conheço. Você não me conhece, nem é íntimo o suficiente, para me mandar conteúdo que você não sabe se eu quero receber. Isso é prerrogativa dos meus amigos, que sabem meus gostos. E, principalmente, que sabem como puxar conversa antes ou depois.
Eu mesmo sou criador de conteúdo e nunca mando Story pra caixa postal de ninguém. Coloco nos meus Stories e se a pessoa quiser assistir, ela me segue e vai lá ver.
Vale ressaltar que todos os outros tipos de mensagens, eu AMO. Continuem me escrevendo, continuem contando seus causos, pedindo conselhos, repercutindo os vídeos. Isso é diálogo. É a matéria-prima vital de um jornalista.
A pessoa só mandar um Story, sem nenhum contexto, é monólogo. Adivinha de qual dos dois tipos de conversa a internet precisa mais.
O seu perfil é sobre o que você quiser. A minha caixa postal, não.
O que chega nos streamings e nos cinemas
Completistas do Oscar, regozijai-vos. “Um Completo Desconhecido”, que mal piscou no circuito comercial, chega dia 16 ao Disney+. Indicado a 8 categorias, ele veio pra quebrar essa onda terrível de cinebiografias que a gente teve que suportar pelos últimos meses. (Tenho pra mim que deu certo porque Bob Dylan, sendo autenticamente bobdylanesco, praticamente fingiu que não viu o filme sendo feito.)
E aproveitando que estou falando sobre resquícios (e perdedores) do Oscar, venho aqui fortemente recomendar “Robô Selvagem”, que estreou dia 4 no Prime Video, e infelizmente não incluí na newsletter adequada porque a assessoria do Prime só liberou a lista de estreias depois. Que obra-prima de filme. E que azar que os caras lançaram bem no ano de “Flow”.
🔷 Os ecos do Oscar continuam! “Conclave” também chega ao Prime Video, no dia 16. Será que agora finalmente já será de bom tom eu discutir o plot twist no canal?
🔷O terror nacional gay “A Herança” também entra no streaming, via Max, no dia 18. É o clichê do casal que herda uma mansão assombrada, porém virado de ponta-cabeça: o casal é gay e a mansão é um sítio decrépito no interior de São Paulo.
O que rolou no canal essa semana
6/4: Fazia tempo que eu não voltava na discussão do “gay padrão”. E rapaz, o tema continua tão incendiário quanto sempre foi. O gancho agora foi o anúncio do ator Joe Locke (de “Heartstopper”) de que está treinando para ficar mais musculoso e fazer papeis de “machão”. Mas a thumb escolhida pelo público foi um exemplo mais brasileiro: o Vyni, do BBB22.
8/4: Por outro lado, uma lição que insisto em não aprender: o público gay realmente só quer saber de conteúdo G. As outras letrinhas da sigla são irrelevantes, especialmente o T. Esse aqui ainda achei que ia funcionar, porque na verdade é um menino gay em dúvida, mas ainda assim foi um flop de audiência. Que pena.
11/4: E, por fim, voltando nos conselhos amorosos, dessa vez logo três de uma vez. Uma compilação de temáticas que aparecerem recorrentemente no meu email ou no inbox do Insta (veja bem - sem Stories randômicos)
Beijos, meus amores!
"O que eu queria dizer mesmo fica só implícito: eu não pedi. Eu não te conheço. Você não me conhece, nem é íntimo o suficiente, para me mandar conteúdo que você não sabe se eu quero receber. Isso é prerrogativa dos meus amigos, que sabem meus gostos. E, principalmente, que sabem como puxar conversa antes ou depois." Fiquei pensando aqui... é ÓBVIO que tem as pessoas sem noção (e são numerosas), mas chegaste a considerar que uma parcela destes que te mandam os stories são pessoas que, talvez, queiram se aproximar e essa é a maneira que eles sabem fazer? Tipo aquele cara na festa que não sabe puxar papo, mas sabe ficar olhando achando que, com isso, tu vais te dar conta e ir conversar com ele? Tenho alguns amigos que são assim, especialmente quando querem pedir desculpas por algo que fizeram errado e não sabem como.
Eu apoio fazer um texto sobre "humor" gay. Ótima newsletter.